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A escola como aparelho disciplinar
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Muitos concebem a escola como um espaço privilegiado de aprendizagem, onde se capacita e se instrui para a vida em sociedade. Tomado por esse prisma, não teríamos muito o que questionar em relação ao papel da escola. Porém, se partirmos dos relatos que faz o filósofo francês Michel Foucault, veremos que a escola se constitui também como um espaço disciplinar e de docilização dos corpos. Para Foucault, as disciplinas são exercidas de diferentes formas, porém, visando o mesmo objetivo de docilização dos indivíduos. Instaura-se muitas vezes, por meio de técnicas minunciosas, numa espécie de ?anatomia político do detalhe?. Estabelece-se um controle de todos os aspectos da vida dos indivíduos. São controlados os gestos, os movimentos e, consequentemente, todo o corpo. Um dos principais mecanismos disciplinares escolar é a seriação de indivíduos: colocá-los em fila, classificá-los, individuando os corpos. No exercício da disciplina, cria se uma espécie de arquiteturização e hierarquização dos indivíduos demarcando lugares e posições. Passa-se a ordenar tudo por filas. Filas de alunos nas salas, nos corredores, nas seriações, nas avaliações etc. Cada indivíduo ocupará ora um lugar estabelecido pela norma escolar, ora outro, formando com isso uma hierarquia de corpos, competências e saberes. Segundo Foucault, ?na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que o separa dos outros?. Um conjunto de obrigações é imposto com grau de precisão na decomposição dos movimentos e gestos, uma maneira de ajustar o corpo a um programa de imperativos espaciais e temporais. Podem se deduzir do pensamento de Foucault que o tempo tem um papel fundamental no sistema disciplinar e que está presente na escola onde não se pode deixar espaço para o ócio e indisciplina de qualquer natureza. A escola moderna organizou uma nova economia do tempo da aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar?. Uma questão que deve ser colocada sobre a ação do aparelhamento escolar e seu caráter disciplinar é que segundo Foucault, a anatomia política disciplinar desenvolve seus efeitos segundo três direções privilegiadas: o poder, o corpo e o saber. Essas direções não são isoladas umas das outras. Elas correlacionam-se entre si. O corpo é alvo de poder e serve de fonte para formulação de novas práticas e formas de saber. O saber então se transforma em mais um mecanismo de controle disciplinar, fazendo do indivíduo um objeto descritível e analisável, correlato ao surgimento das Ciências do homem, tais como as ditas ciências do comportamento: psicologia, psiquiatria, antropologia e pedagogia. A Disciplina se internaliza, de forma que não é mais necessário impor penas e sanções aos indivíduos para obter o bom comportamento para o convívio em sociedade. Basta o temor de ter todos os atos vigiados pelos outros para que se porte bem. O indivíduo termina, desse modo, por transformar no seu próprio carrasco. As minúncias do sistema disciplinar que se dão no sistema escolar muitas vezes podem passar despercebidas. Mas, a disciplina modifica de fato o comportamento dos indivíduos nas suas ações práticas. Passam-se dos simples gestos à atitude global, que busca cada vez mais aumentar a utilidade dos indivíduos, fazendo crescer suas aptidões, seus rendimentos, acelerando a economia, alem de moralizar cada vez mais as condutas. A disciplina atua como uma espécie de ?pedagogia? para a vida em sociedade. O indivíduo coagido pela disciplina renuncia ao pensamento e a autonomia de forma a docilizar-se, chegando ao ponto de não ser mais necessário impor sanções normalizadoras para obter um comportamento adequado ao convívio social vigente. Por meio de instituições como o Exército, a Fábrica e, em especial, a Escola, é possível moldar os corpos, reprimir os instintos e docilizar os indivíduos, de forma a constituir uma engrenagem de funcionamento social sem rebeldia, por um processo quase automático. O processo disciplinar talvez tenha custado um alto preço aos indivíduos. Se dermos crédito ao que nos diz o pai da Psicanálise, Sigmund Freud, ao falar do ?mal estar da Civilização?, onde o exercício permanente, as sanções e as normas podem incompatibilizar com a condição natural humana, que tende sempre para a indisciplina. A disciplina do aparelhamento escolar por certo, é um dos meios eficientes para o estabelecimento da ordem social, para fazer imperar a civilização. Segundo nos mostra Foucault, os procedimentos disciplinares revelam um tempo linear, uma espécie de evolução que leva ao progresso. Nisso, as disciplinas devem ser compreendidos, também, como ?aparelhos? para adicionar e capitalizar o tempo. Aplica?se prova para averiguar se o indivíduo pode ser classificado para o próximo nível e diferenciado do nível anterior, de maneira que cada indivíduo esteja em seu posto de acordo com o seu nível. Assim, a ordem e a civilização serão garantidas. Foucault percebeu muito bem essa relação da instituição escolar da modernidade com a disciplina. A partir das elaborações de Foucault podemos traçar um diagnóstico para pensar a escola moderna. Dentro dela, podemos pensar as várias relações existentes no espaço escolar, desde a relação professor/aluno como as várias formas de hierarquização, produção e validação de saberes e relações de poderes. Enfim, pensar o aspecto disciplinar, via instituição escolar, nos permite entender quem somos, a maneira como nos portamos como sujeitos dóceis e disciplinados e como isso se deu ao longo da modernidade.
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