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Carta contemporânea ao Pai


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Não saberia tão bem conjecturar sobre a dimensão das coisas conjunturais e existenciaisque atacam minha dignidade, tal qual fez Kafka. O tempo dele era outro, haviaética e moral, e o ?coronelismo? justificava toda espécie de açãoneurótica com que se empreendem as relações. Estamos perdidos numtempo saudosista, mais aberto em informação, onde só existe o acesso a direitose não seu exercício. Continuamos na mesma, só que muito pior no insano sistematizado, aceito, divulgado, impregnado na cultura e exercidaainda nos moldes mais primitivos de onde e quando nasceram.$0Seria de imaginar que uma existência de ideais humanistas resultaria em uma sensibilidade a respeito das próprias ações. No entanto, vê-se que, qual em um tempo qualquer, a construção de um discurso para formalização dalegitimidade da ação é o que vale. A realidade inexiste, mesmo por que cada umolha de onde está seu foco, o qual é opcional, mas há preguiça de chegar aolargo da superfície para ver os detalhes com que tudo se constrói. Nunca fui preguiçoso.$0$0Aliás,tenho feito um esforço sobrehumano para exercer minhas capacidades de tolerância, muitas vezes rompendo com o que tanto discuto: aauto-generosidade é o princípio para uma convivência de afetos mais saudáveis. ?Tão sensível e super-homem sou? que cheguei à malícia de dissecar os fatos para veronde me encaixo nas oportunidades ? até no formato capitalista, onde se instalam,no plano das coisas.$0$0A capacidade de sobrepujar a tolerância é uma face dúbia da existência, acontecemefeitos colaterais múltiplos. Mas, o ?seu foco? é preguiçoso, esqueceu-seaté de sua própria humanidade: permanece vendo somente uma onda, enquanto as maréssobem e descem. Aí é quenão conseguiremos mais ver nada, tampouco você, que se soergue em palanquessomente sociais, onde a imagem vale mais do que qualquer subjetividade. Noentanto, em exercício, a tolerância me deixa mais tranqüilo da minha força intransferível.$0$0               Sei que nas camadas que o sustentam, história, há pouco de respeito ? o que meindicaria que os valores, que comigo alimento, em todas as minhas relações,haveriam de ser revelados exatamente contrários (e mais livres) do que orespeito que exercito. No entanto, essa ?coisa? chamada de subjetividade meaboliu em minha própria existência. Não sou nada do que vi, vivi, mas do que experienciei.Sou o que descobri, que é respeitável para minha pessoa, diante das disciplinasrígidas em que me apunhalou diariamente, diretamente no coração, para que láficasse impregnado de necessidades de ordem dos pensamentos, instintos epráticas, para tornar-me um homem melhor. Tornou-se melhor quando assim meimpingia suas angústias existenciais para o primeiro filho? ? que nem sei setão esperado assim o fui... Creio que filho é aquele onde se deposita uma sériede expectativas duras de realização na vida, conforme as próprias frustrações.Mas nem frustrações eu sei exatamente se vejo em sua vida. Esconde-sefrequentemente no espelho, do qual não tira o foco para não precisar ver algumoutro senão o seu ?eu? idealizado, orgulhoso e impertinente, como me confessou.$0$0A história das relações há de ser vista, dita, pois a vida é demasiado rápidapara que se contenha algo para depois. Adiar a vida é o verdadeiro pecadooriginal, o grande pecado capitalista! Não há moral, religião, crença, economiaou qualquer outro aparelho do sistema que não se utilize da indução aoadiamento de vida, distração, como armas de prudência e guerra. Sim, eu sei queestamos numa guerra e nos mexemos medíocres neste tabuleiro caleidoscópico emsua estrutura e raso pela preguiça de ver o ultrapassar pelo menos 1% de nossacapacidade cerebral. O instinto está, sim, no cérebro. Tudo está lá e aqui. Éaqui que a gente entende o que vive e o corpo é que sente ou se ressente comtudo o que há de mais estranho, numa lógica saudável.$0$0Aprendi a dar a volta nas coisas para entendê-las ? lição qdada pelo grande escritor José Saramago. Não sei se dele, mas faço isso já em meu próprio instinto. Tanto quis lhe nutrir de que sua sensibilidade é feita ?desta coisa?também ? razão pela qual vejo-lhe ?razão?, opção mórbida de um rolo compressorexistencial sobre mim.$0$0Há os que amam e se calam. Amo e falo por querer bem. Mágoas a partir disso? É umaferida aberta sua, nunca pertencerá a mim que já trato bem das diversas feridaspor meus próprios corpo e alma.$0$0O requer esta à vida, DD, é correção ? que clama por todos os valores vitais, já que emestado letal se nega estar. Não há como sobreviver às agruras cotidianas se nãofor com um mínimo de generosidade chamada amor. Não se nega amor. Os que ofazem são somente discípulos de sua vaidade, que os engole inteiros, em pedaçosgrossos de filé de alma e inexistência. A segurança nunca justificará os meiosou os fins. Aliás, as justificativas são pura balela naqueles mesmos pilaresfrágeis, de taipa, onde se constroem os discursos absolutistas e indignos dequalquer ser.$0$0No entanto, minha verborragia é pura balela diante de algo tão chocante como todas as misérias humanas. Mas é aqui que me construo, me revejo, me analiso e me projeto: num lugar especial onde não há nada a me calar.$0$0$0$0


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