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Carta sobre a Tolerância (III Parte)
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culto exterior (coisas indiferentes e limites da tolerância de culto) e culto interior (dogmas especulativos e rectidão dos costumes: conflitos, excluídos da tolerância e assembleias)> Desta forma, os homens cristãos estão libertos para a adoração a Deus, sendo que esta se divide em culto exterior (ritos de adoração) e culto interior (doutrinas e artigos de fé). O culto exterior divide-se em essencial (ordenado por Deus) e acessório (circunstâncias de culto), tendo por função adorar a Deus em comunidade, praticando actos que se consideram dignos e agradáveis e que o homem particular não pode realizar. O culto exterior tem também efeitos persuasivos, porquanto funciona como propaganda, incentivando a edificação da sociedade Igreja. Como o culto exterior pressupõe a crença sincera em Deus, o poder terreno do Magistrado é descabido na introdução de ritos ou cerimónias de adoração ? no entanto, torna-se imperativo na legislação das coisas indiferentes do mundo civil que se encontram presentes no culto divino. A legislação sobre as coisas indiferentes tem por objectivo, medida e limite o Bem Público, sendo que o Magistrado o define através de normas gerais e abstractas que, ao serem impostas no Estado, atingem as Igrejas aí radicadas. Se nesta problemática é notória a supremacia da ordem jurídica em todos os assuntos com cabimento no Estado, nomeadamente nos religiosos, é também notória a separação do âmbito de intervenção da Igreja e do Estado: o poder do Magistrado não pode ser aplicado às coisas da Igreja, uma vez que este consideraria a sua Igreja ortodoxa e todas as outras heréticas; às Igrejas são permitidas e proibidas as mesmas coisas que a todas as associações; o pecado não é responsabilidade do Magistrado. A falha desta distinção só é permitida ao Estado Teocrático, o qual, por natureza, identifica o poder civil com o poder divino, invocando Deus como legislador, pelo que a necessária intolerância jurídica terá de corresponder à intolerância religiosa. O culto interior diz respeito aos dogmas, referindo-se uns à especulação e outros à prática e todos à descoberta da verdade. Os dogmas especulativos inserem-se no âmbito da opinião e intelecto, materializando-se nos artigos de fé. Uma vez que sobrevivem em função da crença não podem ser impostos por lei, até porque a verdade impõe-se pela sua própria luz, sem necessidade de recorrer à coercibilidade. Para além disso, os dogmas especulativos não podem ser proibidos a não ser que entrem em conflito com o bem civil. Por outro lado, os dogmas que dizem respeito à prática inserem-se no âmbito da vontade e dos costumes, correspondendo deste modo a parte da vida civil?a rectidão dos costumes surge assim como a junção da vida civil e religiosa, da responsabilidade do Magistrado e da responsabilidade individual, do Estado e da consciência. Os conflitos daqui advindos são resolvidos, a priori, através do respeito pelos limites de governo de cada instituição e pelas hierarquias em que se relacionam: a salvação das almas sobrepõe-se à vida terrena; a lei divina é superior à lei jurídica e ao poder do Magistrado enquanto garante dos bens civis; os ditames de consciência coadunam-se com a lei civil, quer através do cumprimento, quer através do sofrimento de sanções proporcionais aos ilícitos que cometer; a Constituição é superior a qualquer lei promulgada pelo Magistrado; a preocupação pela própria alma (individualidade) é superior à paz entre todos (comunidade) Todavia, apesar desta possibilidade de usufruto da lei e da força na busca de solução para os conflitos, a justiça suprema far-se-á sempre face a Deus, pelo que a individualidade se encontra preservada. Para garantir então a paz entre todos e a comunidade, serão estabelecidas algumas regras, nomeadamente no que diz respeito à exclusão de certos grupos de pessoas que, devido às suas crenças e actuações, se mostrem passíveis de perturbar a ordem do Estado. São eles os que professam dogma contrário ou que atente contra a sociedade civil; os que, disfarçadamente, atribuem a si próprios poderes civis e se mostrem intolerantes; os que pertençam a Igreja que os coloque sob a obediência de soberano estrangeiro; e os ateus (porque amorais). As assembleias religiosas, contudo, não devem ser alvo de intolerância: embora vulgarmente acusadas de fomentarem a sedição e encubarem as facções, opondo-se à doutrina de tolerância através do estabelecimento de laços espirituais e afectivos fortes, secretos e privados que ameaçam a paz pública e a sociedade; a verdade é que são tão legítimas como todas as outras, apresentando secretismo e intenções sediciosas devido à opressão e não devido à natureza da sua religião. Por outro lado, a intolerância das assembleias padece sempre de injustiça pois a ortodoxia de cada uma é subjectiva para o Magistrado enquanto crente. A partir deste exemplo, a tolerância apresenta-se numa perspectiva prática, como um conceito político a presidir a conduta/actuação do Estado/governo. Assim sendo, a solução perante a diversidade é a coerência na proibição e permissão; a unidade das leis (benevolentes para todas as religiões VS severas face aos ataques ao bem comum); a utilização de métodos lentos, oportunos e integrantes ( o tolerado coopera enquanto o perseguido se insurge), etc.. Desta forma, advoga-se a igualdade de direitos para as pessoas individuais e colectivas (Igrejas), sendo que o exemplo da religião cristã comprova que não é a diversidade de opiniões nem a natureza da religião que conduz à violência, mas sim a intolerância e a promiscuidade Igreja-Estado.
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