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Para entender a A Semana de Arte Moderna
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Projetou-se a Semana de Arte Moderna com o nítido objetivo de marcar escandalosamente a ruptura com o passado. Para tanto, contou o grupo de jovens com a importante participação de Graça Aranha, nome já consagrado nas letras nacionais, membro da Academia Brasileira de Letras, autêntico representante da "velha geração".
A participação de Graça Aranha, todavia. não está suficientemente esclarecida no painel dos primeiros instantes do Modernismo. Muitos acham que o velho diplomata aderiu à campanha sem entender a fundo o que postulava a nova geração.
O certo é que a ele coube a inauguração dos trabalhos que se desenvolveram por três noites. Realmente, a Semana seria de três dias: 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, e dela participaram, no plano artístico, pintores. escultores. arquitetos. músicos e escritores, assim distribuídos:
Pintura: Anita Malfatti. Ferrignac, J. F. de Almeida Prado. John Graz. Martins Ribeiro, Vicente do Rego Monteiro e Zina Aita.
Escultura: Brecheret e W. Haerberg.
Arquitetura: Antônio Moya e ~eorge Przirembel.
Música: Vila Lobos e Guiomar Novais, coadjuvados por Paulina d'Ambrosio, Ernâni Braga. Alfredo Gomes, - George Marinuzzi, entre outros.
Literatura: é difícil fazer-se o inventário de escritores que aderiram e apoiaram a Semana. Os registros da época dão conta de que estiveram de corpo presente, no palco do Municipal, fazendo conferências, discursos, lendo trechos de romances ou declamando poemas: Graça Aranha, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti dei Picchia. Ronald de Carvalho, Agenor Barbosa e Sérgio Milliet.
Como se disse, coube a Graça Aranha a abertura do programa. na noite do dia 13. E fê-lo pronunciando uma conferência confusa, "A emoção estética na arte moderna", que provavelmente não foi entendida pelo público embora esse o ouvisse com o respeito que a reputação do escritor exigia.
Cinquenta anos depois, Cândido Mota Filho depôs que "o que ele (Graça Aranha) dizia e escrevia ainda estava preso ao que escrevera em Canaã e na Estética da Vida. Eu cheguei a publicar um artigo criticando a sua obra. Tive o topete de dizer que a filosofia dele era de um confusionismo lamentável. isturava Spinoza com Engels, para tirar conclusões que nada tinham a ver com o problema brasileiro".(1)
Apesar das novidades apresentadas com as poesias de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho, a primeira noite transcorreu sem incidentes. A segunda, no entanto, foi bem diferente. Quando o orador oficial, Menotti dei Picchia, apresentou as ilustrações do que vinha dizendo, ou seja, quando foram lidos ou declamados poemas e trechos em prosa, o teatro quase veio abaixo com as vaias e gritos. Houve, segundo disse Menotti no Correio Paulistano, "durante o espetáculo, quem cantasse como galo e latisse como cachorro". Idênticas manifestações se fizeram presentes na terceira noite, dia 17, e, de um modo geral, "o culto às palavras em liberdade" só fez levantar protestos e ironias.
A imprensa da época não deu uma cobertura intensiva à Semana.
Os órgãos que o fizeram deram uma tônica irreverente e maliciosa aos acontecimentos. "Houve críticas, por vezes violentas, na linguagem simbólica dos desenhos, bem a estilo da época e entregues a caricaturistas que ficaram famosos".
Entretanto, qualquer que tenha sido o resultado, a Semana de Arte Moderna havia sido realizada. O Brasil fora sacudido, a mentalidade nacional renovada e a autonomia artística e literária brasileira se fizera presente. Escandalosos, irresponsáveis, considerados como indivíduos que deveriam ser analisados à luz dos fenômenos da patologia mental, os jovens do movimento conseguiram o seu intento: "acordar velhotes que, à custa do café, cochilavam nas poltronas do Automóvel Clube de São Paulo, e mostrar o nascimento de outra sensibilidade no Brasil".
O objetivo fora, então, plenamente alcançado. Mário de Andrade, em carta a Menotti dei Picchia (Helios), cinco dias após, dizia, com o tom irreverente caracterizador dessa primeira fase: "Carta muito particular. Que tal? conseguimos, enfim, o. que desejávamos, celebridade. Soube que o X.Z. estava um pouco atemorizado com os insultos que temos recebido. Consola-o tu. Realmente, amigo, outro meio não havia de conseguirmos a celebridade. Era só assim: aproveitando a coleta dos araras. Somos todos os pseudofuturistas uns casos teratológicos. Somos burríssimos, idiotas, ignorantíssimos. Compreendes que, com todas estas qualidades, só havia um meio de alcançar a celebridade: lançar uma arte verdadeiramente incompreensível. Fabricar o carnaval de "Semana de Arte Moderna" ... e deixar que os araras falassem.
Caíram como araras. Gritaram. Insultaram-nos. Vaiaram-nos. Mas o público já está acostumado com descomposturas, não leva a sério. O que fica é o nome de um sentimento de simpatia que não se apaga mais da memória do leitor.
Estamos célebres! Enfim! Nossos livros serão comprados! Ganharemos dinheiro! Seremos lidíssimos! Insultadíssimos! Celebérrimos! Teremos os nossos nomes eternizados nos jornais e na História da Arte Brasileira.
Agora calemo-nos, amigo Helio; não há necessidade de escrever. Estamos célebres, amados e detestados. E tudo isso por quê? Porque os araras caíram na armadilha. Insultaram-nos. Somos bestas, doentes, idiotas. Ignaros. Tudo isso é verdade, amicíssimo. Mas como os jornais o disseram e o público não acredita. Toda gente imagina que somos perfeitíssimos de corpo e alma, inteligentes, honestos e eruditos.
Que araras, amigo Helios, que araras! "(2)
1. Cândido Mota Filho. Revista Cultura, MEC. no 5. 1972, pág.47.
2. Revista Cultura, ed. Cit. Pág. 134.
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