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Para entender o Modernismo : Fase de ruptura.
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Se é verdade que todo movimento literário traz inovações e desafios àqueles que o precedem, nenhum provocou maiores choques ou hostilidades que o Modernismo, principalmente na poesia. Pode-se dizer que a literatura do Modernismo procura correr em parelha com as inovações e os avanços tecnológicos de uma era que caminha velozmente. Foi com esse objetivo que ocorreram vários movimentos, dentre os quais o famoso " Futurismo", que procurava pregar uma arte participante, atenta às transformações por que passava o mundo repudiando os valores estéticos alienados que 'vigoravam até então, Marinetti, o pai do "Futurismo", pregava, através de um manifesto, em 1909, esse ideário de agressividade. Em urna das passagens do manifesto lê-se: "Declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Uma baratinha de corrida é mais linda que a "Vitória" de Samotrácia. Não há obra-prima sem caráter agressivo. ?Queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o .feminismo e todas as covardias oportunistas é utilitárias".
Todavia, é preciso esclarecer que o "Futurismo" na literatura brasileira não passou de um nome . Menotti del Picchia, aliás. fez questão de frisar: "A nossa estética é de reação. Como tal é guerreira, o termo futurista, com que erradamente, a etiquetaram, aceitamo-lo porque era um cartel de desafio. Na geleira de mármore do Parnasianismo dominante, a ponta agressiva dessa proa verbal estilhaçava como um aríete. Não somos, nem nunca fomos "futurista". Eu. pessoalmente. abomino o dogmatismo e a liturgia da escola de Marinetti. Seu chefe é. para nós, um precursor iluminado, que veneramos como um general da grande batalha da reforma. que alarga seu "front" em todo o mundo. No Brasil, não há, por razão lógica e social "para o futurismo ortodoxo, porque o prestígio de seu passado não é de molde a tolher a liberdade de sua maneira de ser futura. Demais, ao nosso individualismo estético, repugna a jaula de uma escola".(1)
Ademais, adotar o Futurismo pura e simplesmente seria proceder da maneira como faziam aqueles a quem os modernistas atacavam: importar idéias, conceitos e regimes estéticos. O importante, como disse Paulo Prado, era "fugir também do dinamismo retumbante das modas em atraso que aqui aportam, como o futurismo italiano, doze anos depois do seu aparecimento, decrépItas e tresandando a naftalina" (2).
Portanto, o que se nota é que a palavra-ordem do modernismo brasileiro foi "mudança".
Em 1917, numa mostra da pintora Anita Malfatti, esses sintomas reformistas começavam a borbulhar. As telas então expostas causavam estranheza. Anita Malfatti, recém-chegada de um estágio de anos na Alemanha e na América do Norte, corajosamente lançava uma arte que tinha tudo para escandalizar. Esse desassombro lhe valeu momentos de densa amargura, provocados por um artigo de Monteiro Lobato, intitulado "Mistificação ou Paranóia?". Isso taí o bastante para que muitas telas que já haviam sido vendidas fossem devolvidas, além de grassarem ameaças de que as telas restantes seriam rasgadas na própria exposição, tudo insuflado pela voz autoritária e respeitosa de Monteiro Lobato.
Essa revolução, no entanto, marcou definitivamente o processo de ruptura, coisa que Lasar Segall não conseguira em 1913, quando a exibição de seus quadros expressionistas não chegou a ser percebida como algo inovador.
O que se pode dizer a respeito de Segall e Anita é que a sua ousadia representava um golpe muito forte contra os "donos da verdade" da arte brasileira. Obtusamente academizados. estes não se davam conta de que à pintura não restava outra alternativa. Ou ela buscava seus próprios caminhos, trabalhando a seu modo o código de que se vale (a cor)ou perecia ante a concorrência da técnica fotográfica.
E foi na busca desse caminho que a pintura recobriu-se dos caracteres cubistas e expressionistas, refinados demais para os críticos de então, que se achavam uns primores em termos de "julgadores". Para eles era impossível julgar o que não entendiam, daí nascendo a desavença.
Mas, sem o querer, Monteiro Lobato acabou prestando um serviço à causa modernista. Tomando as dores da pintora, um grupo de intelectuais se aglutinou ao seu redor, transformando Anita Malfatti, na ?proto-mártir da nossa revolução plástica?, como disse Lourival Gomes. A seu favor levantam-se as vozes de Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa, Ribeiro Couto, George Przirembel, Cândido Mota Flho e João Fernando de Almeida Prado - os jovens que, pouco depois, realizariam a famosa Semana de Arte Moderna.
Em 1919, o escultor italiano Victor Brecheret, recém-chegado de Roma, é visitado por alguns integrantes desse grupo de jovens, que vêem no seu trabalho outra marca vigorosa dos ideais revolucionários. Curiosamente, Brecheret é visitado também por Monteiro Lobato que descobre nas suas produções a projeção refinada da arte moderna, coisa que não lhe acudira quando da visita à exposição de Anita Malfatti. Brecheret, assim reconhecido, seria o nome decisivo para a implantação de uma nova arte, sendo incondicionalmente louvado ou defendido quando o atacavam.
Nesse primeiro momento, os intelectuais brasileiros estavam preparado o terreno para a eclosão da Semana de Arte Moderna, o que iria acontecer em 1922, marcando epicamente o início do Modernismo no Brasil.
Notas: 1. Menotti deI Picchia. apud Mário da Silva Brito. A Literatura no BraSil vol. V. Rio. Editorial Sul Americana, 1970. pág. 15.
2. Paulo Prado. Introdução a Poesia Pau-Brasil, in Oswald ,de Andrade, Obras Completas - 7, Rio, Civilização Brasileira. 1972. pág. 5.
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