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A Crise da Cultura (Parte 2)
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(Continua de Parte I referida em baixo em 'Links importantes) ------------------------------------------ ------------------------------------------- A PALAVRA ?CULTURA? A palavra ?cultura?, de origem romana, deriva de colere, cultivar, cuidar, preservar, e remete-nos para o comércio do homem com a natureza, para o sentido da cultura e da preservação da natureza em função do homem. O primeiro a utilizar a palavra para as foi Cícero, que falava da cultura animi no sentido em que falamos hoje de um espírito cultivado. Mas para a generalidade dos romanos, cultura designava fundamentalmente uma conexão com a natureza, particularmente na agricultura. A arte devia nascer tão espontaneamente como o campo, devia ser cultivada. Os gregos não tinham nenhuma palavra equivalente ao conceito romano, já que nessa civilização predominavam as artes de fabricação. Enquanto os romanos consideravam a arte como uma espécie de agricultura, de cultura da natureza, os gregos encaravam a agricultura como um elemento de fabricação, uma prática ligada aos artifícios técnicos e engenhosos pela qual o homem dominava a natureza. Para os gregos, o que os distinguia dos bárbaros era a polis e a política. Paradoxalmente, para os gregos a falta de virilidade ou o vício da moleza, que na nossa civilização tem sido associado ao amor exacerbado pelo belo no sentido estético, era o perigo da filosofia; o saber ver ou o saber julgar era uma condição necessária na relação com o belo. Poderá a filosofia no sentido que os gregos lhe davam conduzir à inacção mais que ao amor pelo belo? Será que o amor pelo belo se barbariza quando não acompanhado pelo capacidade de discernir, de julgar, pelo gosto? Não terá esse amor pelo belo algo a ver com a política?
O GOSTO A desconfiança e o desprezo em relação aos artistas provém de considerações políticas: a fabricação das coisas, que compreende a produção da arte, não faz parte das actividades políticas, havendo mesmo uma oposição entre as duas. Os gregos suponham que o filistinismo ameaçava não só a política mas também o domínio cultural , já que ele conduzia a uma desvalorização das coisas julgadas em função de critérios de utilidade e não pelo seu valor intrínseco. Em Roma, os artistas e os poetas perseguiam um jogo pueril que não se coadunava com a gravidade, seriedade e dignidade próprias de um cidadão romana. Em Atenas, pelo contrário, o conflito entre a política e as artes nunca foi definido em benefício de uma dessas actividades, razão pela qual a Grécia Clássica viveu um extraordinário período em termos artísticos. Actualmente, temos tendência para supor que é a política e a participação activa nas coisas públicas que engendra o filistinismo e impede o desenvolvimento de um espírito cultivado, capaz de considerar as coisas pelo seu verdadeiro valor e não pela sua utilidade. A mentalidade de fabricação invadiu o domínio político; fabricantes e artistas puderam dar livre curso às suas visões sobre o sujeito e articular a sua hostilidade contra os homens de acção. O conflito entre artistas e políticos define-se assim: por um lado, o artista, procurando fórmulas novas e coisas novas, deve afastar-se do público para realizar os seus intentos; por outro lado, o político só pode ambicionar realizar-se através do público. A cultura e a política, não obstante os seus conflitos e as suas tensões, estão ligados e em dependência mútua. O seu elemento comum é que ambos são fenómenos do mundo público. Para compreendermos o fenómeno do gosto, o fenómeno estético ou a fruição do belo, devemos recordar o imperativo categórico da moral kantiana: ?Age de tal modo a que a máxima da tua acção possa instituir-se como princípio de uma legislação universal?. Este princípio, aplicado na CRÍTICA DA FACULDADE DE JULGAR, prevê que o indivíduo seja capaz de pensar do ponto de vista de qualquer outro; a faculdade de julgar reside num potencial acordo outrém, e é desse potencial acordo que retira a sua validade específica. O que quer dizer, por um lado, que tal julgamento se deve libertar das condições subjectivas privadas, das idiossincrasias que determinam a perspectiva de cada indivíduo em privado. Assim, o juízo é dotado de uma certa validade específica, mas nunca é universalmente válido. O juízo, diz Kant, é válido para toda a pessoa singular que julga, mas não é para os que não julgam, nem para aqueles que não são membros do domínio público onde os objectos de juízo aparecessem. Consequentemente, o julgamento é uma das faculdades fundamentais do homem como ser político, na medida em que lhe orientar-se no domínio público. O gosto julga o mundo na sua aparição e na sua mundanismo: o seu interesse é puramente desinteressado, já que nem os interesses vitais do indivíduo, nem os interesses morais do eu entram aqui em jogo Tudo se passa como se o gosto decidisse não apenas como ver o mundo, mas também como se colocar nele. Se pensarmos nesta colocação, ou nesta pertença, em termos políticos, somos tentados a conceber o gosto como um princípio de organização essencialmente aristocrático. É justamente no domínio da acção e da palavra que esta qualidade pessoal vem ao de cima publicamente, mais até que as suas qualidades e talentos pessoais. O gosto desbarbariza o mundo do belo ao não se deixar submerger por ele, cuidando do belo à sua própria maneira: o gosto é a faculdade política que humaniza realmente o belo e cria uma cultura.
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