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A Crise da Cultura (Parte 1)


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Os termos cultura de massas e sociedade de massas têm sido utilizados com um sentido fortemente pejorativos, como uma forma depravada da sociedade, designando uma espécie de Kitsch com uma dimensão intelectual. A América, berço das sociedades de massas, é culturalmente dominada pelo filistinismo cultural cultivado pelos novos ricos; na Europa, a cultura sempre foi mais associada a uma posição social e a um tipo de snobismo cultivado pelas elites, derivado do seu passado histórico.

O aparecimento das sociedades de massa entronca na incorporação da população na sociedade, entendida como a boa sociedade cultivada pelas elites nos salões das cortes absolutistas. O precursor do homem de massas moderno é o indivíduo que se revoltou contra a boa sociedade, em oposição à qual se tenta afirmar. Enquanto nos Estados de sociedade a sociedade era constituída por classes restritas, na sociedade de massas, tecida pelas classes dominadas contra essa sociedade mais do que contra esse Estado ou governo, o indivíduo desespera pelo facto de a sociedade estar difundida por toda a população. Que os artistas se tenham rebelado contra a sociedade revela um antagonismo existente entre a sociedade e a cultura anterior ao aparecimento da sociedade de massas.

O mundo cultural abarca todo o passado relembrado por países, nações e pelo género humano. Quando os objectos imortais do passado se transformam em objecto de requinte social e individual, com uma posição social correspondente, perdem a sua mais importante qualidade: comover e extasiar o leitor ou o espectador perante o espectáculo que perpassa os séculos. As obras de arte são impropriamente utilizadas quando servem a educação ou a perfeição pessoal.

A produção artística inspirada nestes princípios nasce do distanciamento das artes da realidade. A entorpecedora renascença das artes criadoras no nosso século começa a afirmar-se quando a boa sociedade perde o monopólio da empresa cultural. A cultura perde-se cada vez mais como valor em detrimento da sua instrumentalização social, transformada num meio de aceder a uma posição superior na sociedade. Torna-se num valor de troca. Quando tal acontece, inicia-se a transmutação e liquidação geral dos valores.

Se admitirmos esta liquidação geral dos valores e da tradição ocidental como um facto, percebemos que a tarefa de preservar o passado e a tradição é a mesma para a civilização ocidental. Tanto na Europa como na América, o peso da tradição esvanece-se e descobrimos o passado por nossa conta, lemos os autores do passado como se ninguém antes os tivesse lido. Nesta tarefa de preservação do passado, a sociedade de massas é mais perniciosa do que a anterior boa sociedade.

Talvez a diferença fundamental entre a sociedade de massas e a boa sociedade seja que a boa sociedade protege a cultura, valorizando e desvalorizando as coisas culturais como mercadorias sociais, usando-as e abusando delas para os seus próprios fins, sem nunca as consumir. A sociedade de massas não protege a cultura, mas os lazeres e os artigos oferecidos pela indústria do lazer são consumidos pela sociedade como todos os outros objectos de consumo.

Estendem-se cada vez mais os tempos de lazer e a indústria do lazer preenche essa necessidade. É pura hipocrisia ou snobismo social negar ao ser humano o direito de divertimento, mas os critérios e as fórmulas que regem a indústria do lazer são diferentes dos que norteam a cultura. Assistimos hoje a uma sociedade sedenta de novos lazeres a apoderar-se da cultura para a adaptar à indústria do lazer. O que não significa que a cultura se dissemina pelas massas, mas sim que a cultura se pode anular quando procura servir o lazer. Os grandes autores do passado sobreviverão a séculos de abandono e esquecimento, mas é uma questão pendente saber se serão capazes de sobreviver numa função de lazer.

A principal característica de um objecto cultural não é a sua função, mas a sua durabilidade. Ora a cultura encontra-se ameaçada quando os objectos ou coisas do mundo são tratados como funções num processo vital da sociedade, como se existissem  para satisfazer uma necessidade.

No mundo fabricado pelo homem temos de distinguir os objectos de uso e as obras de arte. Ambos possuem uma certa permanência que vai da duração ordinária a uma imortalidade potencial no caso da obra de arte. Do ponto de vista da duração, as obras de arte são claramente superiores a todas as outras coisas. E contudo, são as únicas coisas que não têm qualquer função no processo vital da sociedade. Somente as coisas que existem independentemente de toda a referência utilitária e funcional podem merecer o epíteto de obras de arte, já que o critério de juízo de uma obra de arte é a sua beleza perante uma atitude desinteressada.

Não existe propriamente uma cultura de massas, mas lazer de massas que se alimenta dos objectos culturais. Crer que tal sociedade será mais cultivada com o tempo e o trabalho da educação é um erro fatal. Uma sociedade de consumidores não é capaz de compreender a arte porque a sua atitude central perante todos os objectos, a atitude de consumo, implica a ruína de tudo em que toca.

(ver Parte 2 no link disponibilizado em baixo em 'Links Importantes')


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