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Página Principal : Teoria e Crítica
Imagens DE IMIGRANTES ESLAVOS NA LITERATURA PORTUGUESA RECENTE
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A representação social das diversas comunidades de imigrantes da Europa do Leste recebeu a sua primeira imagem estética na ficção portuguesa recente em quatro textos que, de certo modo, como textos fundadores, a cunham de uma figuração emblemática e simbólica. Referimo-nos a três romances, O Sol da Meia-Noite<1>, de Manuel da Silva Ramos, Meu único, grande amor: casei-me, de Manuela Gonzaga<2>, e A Sopa<3>, de Filomena Marona Beja, e a uma peça de teatro, Quarto Minguante<4>, de Rodrigo Francisco, representada pela Companhia de Teatro de Almada, no Teatro Municipal desta cidade ao longo dos meses de Março e Abril de 2007. São os seguintes os signos desta figuração estética nos três textos citados:
? A metáfora do isolamento, da marginalidade linguística e social, imposta pela comunidade de acolhimento, exemplificada muito perfeitamente pela personagem ?Enfermeira? da peça de teatro de Rodrigo Francisco. A ?Enfermeira? nunca fala, apenas trabalha, cumprindo correcta e eficazmente as suas funções. Trata-se de uma mulher alta, esguia, de olhar azulíneo, competente, cobiçada pelos doentes, que desejam ser ela a lavá-los na hora do banho. Socialmente constrangida, a ?Enfermeira? limita-se a obedecer, impondo-se pela sua dedicação e seriedade. Do mesmo modo, em Meu único, grande amor: casei-me, de Manuela Gonzaga, a empregada doméstica das personagens Vera e Clara, é uma médica ucraniana solitária, Oleena Radenko;
? A metáfora do desenraizamento e da promiscuidade, figurando a dissolução dos costumes e tradições de origem e a aproximação a um certo tipo de marginalidade, simbolizada, em Manuel da Silva Ramos, pela ida dos homens às prostitutas<5> da zona do Intendente, em Lisboa. Do mesmo modo, ?Manuel, o Escritor?, a personagem principal da novela e o seu narrador, cria uma nova palavra portuguesa para designar o acto sexual livre entre um homem português e uma mulher ucraniana: ?kievaginação?<6>;
? Se, numa escala de comportamentos simbólicos, se considerar extremadas estes duas figurações estéticas ? a do absoluto mutismo e a da promiscuidade ?, efeito estilístico de paródia caricatural sobre a realidade, a terceira figuração, presente em A Sopa, de base realista, tanto no retrato colectivo criado quanto no estilo da narração, evidencia-se como a mais consentânea com a vivência quotidiana das comunidades de imigrantes da Europa do Leste, cuja signo estético é conferido pela metáfora da exclusão.
Com efeito, face à avalancha de romances ligth em Portugal, exploradores da ococidade cultural de uma classe média urbana apressadamente enriquecida, responsável por mais de metade da edição de ficção nos últimos três, quatro anos, A Sopa, de Filomena Marona Beja, recentemente galardoado com o prémio DST (Universidade do Minho ? Parque Industrial de Braga) para o ano de 2005, ressuscita e actualiza, segundo uma nova configuração, a tradição realista do romance português de dar voz no corpo do texto aos excluídos das benesses da sociedade, antes as crianças que nunca tinham sido meninos, de Soeiro Pereira Gomes, os gaibéus de Alves Redol, os ganhões de Fernando Namora, os camponeses pobres de Manuel da Fonseca, de Aquilino Ribeiro ou de Miguel Torga; hoje, os sem-abrigo urbanos, os imigrantes do Leste, os negros desenraizados de Angola e da Guiné, enxurro que a classe média gorda vassoura para a sarjeta da valeta social, intentando esquecer a sua existência malquerida. De realçar que, enquanto metodologia de criação romanesca, Filomena Marona Beja conviveu com as personagens que esteticamente retrata, como Namora visitou a famosa ?casa da malta? ou testemunhou o sofrimento daqueles que posteriormente retratava em Retalhos da Vida de um Médico, como Alves Redol viveu entre os socalcos do Douro e entre os povos ribeirinho dos mouchões para melhor lhes descrever a existência amarga. Filomena Marona Beja, em frases e parágrafos curtos, de léxico contido, constitutivos do seu estilo, já presente em As Cidadãs (1998) e permanecendo em A Duração dos Crepúsculos (2006), opera literariamente mais pela sugestão do que pela descrição, intermediando diálogo e narração em períodos brevíssimos, compondo blocos de textos que, em jeito de puzzle, se vão organizando na mente do leitor, reconstruindo este a cronologia e a ordem estrutural que de raiz faltam à composição do romance. Desenha-se deste modo o estilo pessoalíssimo, totalmente inconfundível, de Filomena Marona Beja na actual configuração da literatura portuguesa. Do mesmo modo compõe a autora o retrato da comunidade russo-ucraniana, não segundo uma topologia racional e esquemática, segundo um cruzamento fragmentário de pequenos parágrafos que o leitor vai recompondo na sua mente, desenhando a imagem final.
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