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A bolsa amarela: o cotidiando contando a História


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Quando pensamos na relação existente entre literatura e história, temos a tendência de supor que somente o chamado romance histórico dá conta de unir essas duas áreas do conhecimento humano. Entretanto, ao lermos atentamente uma obra, percebemos que tudo é história. Um texto que nos mostre o cotidiano de uma determinada sociedade, por exemplo, é histórico, na medida em que poderá servir como documento de estudos sobre aquela sociedade futuramente. Atualemnte, os autores demonstram maior interesse pela criança, colocando-a como sujeito nas narrativas infantis. Em A bolsa amarela deparamo-nos com uma menina vivendo conflitos interiores, o que já é indicativo da atualidade, pois em épocas passadas jamais se suporia a possibilidade de uma criança vivenciar esse tipo de experiência e a literatura infantil não serviria de voz às crianças, mas apenas para doutriná-las.
A narradora tem três vontades: crescer, ser menino e escrever. Mas essas vontades não devem ?engordar?. As duas primeiras vontades indicam a sociedade opressora em que vivemos, pois demonstra a dominação do adulto sobre a criança e do homem sobre a mulher. Simone de Beauvoir questiona a teoria freudiana segundo a qual a mulher sentiria inveja do pênis. Freud afirma que o menino, após ver a nudez feminina e perceber que o membro, do qual ele tanto se orgulha, passa a sofrer, pelo resto da vida, daquilo a que ele chamou de ansiedade da castração
. Na menina, esse complexo se dá quando ela descobre que não possui um órgão igual ao dos meninos, passando a sentir-se mutilada. De acordo com Beauvoir, não existe razão para se dizer que o orgulho do homem pelo pênis deva corresponder ao sentimento de humilhação da mulher por não possuí-lo. Segundo ela, a mulher sente-se humilhada, mas é pela situação de opressão e de inferioridade social a que tem sido submetida através dos séculos.
Raquel experimenta o sentimento de inferioridade de quem não pode se expressar por ser mulher. Não possui maturidade suficiente para processar isso. Gostaria de ser um menino porque acredita que só homens podem fazer tudo o que quiserem. Além disso, desejava crescer logo porque ?gente grande tá sempre achando que criança tá por fora?. E o seu terceiro desejo, o de escrever, é a forma encontrada para organizar o seu caos interior. O elemento que serve de título à obra representa um dos principais espaços, junto com o quintal da casa onde a menina morou, que é mencionado em uma carta escrita a Lorelai, amiga imaginária, e a oficina de consertos, onde tudo funciona com perfeição e onde vive a mesma Lorelai. A bolsa amarela é o local onde a menina guarda suas vontades secretas, alguns amigos imaginários e onde vai organizando o seu mundo. Em sua infância, a criança substituiu o quintal pelo interior da bolsa. Recria um espaço para resolver o seu problema de criança que vive em um mundo fechado em si mesmo. Conforme cuida do interior da bolsa, organiza-se a si própria.
A casa dos consertos é um espaço importante por ser o local onde a menina faz suas descobertas: ser criança é bom, ser menina é bom, os adultos não são maus, não existem tarefas para homens e tarefas para mulheres. É um lugar onde se ?descosturam? as idéias aprisionadas, como no caso do cão que mordia a todos porque não conseguia pensar em outra coisa. O galo, amigo imaginário de Raquel, representa aquele que resiste à tirania do senso comum, é a iniciação da criança em uma forma filosófica de pensar. O galo é um filósofo, quer ter o direito às suas próprias idéias e, como acontece com os ?diferentes?, é perseguido.
Raquel é uma menina muito só, que vive em meio a adultos que trabalham e estudam e não podem lhe dar atenção. Apesar de viver as atribulações da atualidade, é uma criança como as outras, com necessidade de fantasia e de sonho. Para resolver a solidão, cria amigos imaginários, que servem de estímulo para que ela se torne mais confiante e aprenda a lidar com seus medos e desejos secretos. Freud mostra os mecanismos de resistência e repressão, que podem ser vistos de forma metafórica na forma como Raquel ?guarda? suas vontades dentro da bolsa amarela. Quando a menina as oculta dentro da bolsa as está reprimindo, quando as tranca com o fecho consertado para abrir somente quando ela quiser, está resistindo à realização desses desejos. O terapeuta explica que esses desejos reprimidos e mantidos no inconsciente através do mecanismo de resistência são os causadores de neuroses. Raquel consegue resolver, com a fantasia, o que, de outra forma, precisaria da ajuda de um analista. Freud demonstra, que são três as formas de lidar com esses desejos ?proibidos?: através da sublimação, por meio do controle consciente desses desejos ou descobrindo que, afinal, não há nada de errado com eles e que, portanto, podem ser vividos sem culpa. Raquel se enquadra nessa terceira possibilidade, pois descobre que não há nada de tão horrível em ser criança, que as meninas podem fazer o que os meninos fazem e que escrever pode ser uma forma muito gostosa de colocar ordem no seu caos. Assim como Raquel, as crianças que a lêem são levadas encontrar uma forma criativa e saudável de viverem os desejos secretos e superarem os medos. São encorajadas a lutarem pelos sonhos e por suas idéias.

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