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As Bicicletas de Belleville
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Comédia. França. Integralmente devotada ao neto, a quem acompanha todos os dias no treinamento deste para a competição de ciclismo "Tour de France", a Sra. Souza é surpreendida com a descoberta do seqüestro do rapaz durante o torneio. Determinada e incansável, parte acompanhada apenas do cachorro Bruno atrás do navio onde o neto está trancafiado junto a outros dois competidores. Atravessando o oceano e chegando a outro continente, a Sra. Souza vai parar em Belleville, cidade onde tanto as pessoas quanto as edificações exibem opulência e gigantismo fora do normal. Sem saber para onde ir, sem dinheiro e nem qualquer pista dos seqüestradores, a pobre avó acabará conhecendo três senhoras, trigêmeas que no passado apresentavam-se como cantoras em bares e programas de TV, e que não apenas irão recolhê-la, mas também ajudarão a encontrar o neto. Filme como esse não aparece todo dia. O espectador que tem o costume de sair de casa para ver desenho animado ou filme de animação vive numa encruzilhada entre os desenhos da Disney e as recentes superproduções geradas por computador. Concebidos para seduzir o público infantil sem livrar a cara dos adultos, esbanjam qualidade com personagens carismáticos, roteiros divertidos e efeitos especiais de cair o queixo. Tão bons que há quem pense que animação é só isso, e que a única alternativa seriam os tais "animes" japoneses. Houve um tempo em que desenhos com traço realista entravam em cartaz no circuito comercial, e o público podia assistir obras primas como o American Pop de Ralph Bakshi, ou o divertido Heavy Metal - Universo em Fantasia, de Gerald Potterton. A única incursão recente no gênero foi o instigante Waking Life, de Richard Linklater, curiosa mistura de estilos que, por causa da temática filosófica, ninguém viu. Mas tem em vídeo. Toda essa introdução é para expressar a surpresa que foi ver As Bicicletas de Belleville ("Les Triplettes de Belleville" , 2003). Rico na forma, poético no conteúdo, inteligente no conjunto, o filme realiza com desconcertante sutileza a função de transportar o espectador para um universo especial, conseguindo ao mesmo tempo provocar estranheza e causar nostalgia com a vidinha minúscula de seus silenciosos e marcantes personagens. Devolve com observações certeiras as lições aprendidas no manifesto surrealista, misturando beleza e delírios oníricos com ácidas críticas ao sistema, ao consumo desenfreado que cria toda uma sociedade de gente gorda e transforma seres humanos em objetos de apostas, dos quais se descarta quando não mais funcionam. O traço caricatural, excessivo, ao mesmo tempo que gera criaturas peculiares em suas deformidades (capangas em forma de tijolo, garçons retorcidos), expõe uma riqueza de ambientes que impressiona pelas cores e detalhes. Sem deixar de enumerar citações, sendo a mais explícita ao cineasta Jacques Tati. A direção de Sylvain Chomet (também autora do roteiro) mantém o filme bem longe de uma agitação desnecessária. Seu objetivo parece ser o de provocar no espectador o sentimento de inadequação ao ambiente, transformá-lo no mesmo estrangeiro em que se tornou a inesquecível Sra. Souza, portuguesa baixinha, manca de uma perna, de grandes olhos esbugalhados escondendo-se atrás de grossas lentes que não se deixa abater nem com a ameaça de mafiosos. Suas reações ao novo mundo, e aos costumes estranhos das trigêmeas que a recolheram, têm a mesma aceitação muda e determinada que a fez reorientar toda a sua vida para atender à obsessão ciclística do neto de panturrilhas gigantes. É humana de doer. Outro achado do filme é a sua trilha sonora. O cabaré de abertura é tema para entrar em antologia, e a partitura musical assinada por Benoît Charest leva à constatação de como desenho animado e música parecem ter nascido um para o outro (coisa que Walt Disney já havia percebido há décadas, ea quem a introdução do filme parece render homenagem). A registrar também os engraçados coadjuvantes, como o motorista do furgão da Sra. Soza durante a "Tour de France", o garçom retorcido, as próprias trigêmeas, o cachorro Bruno, o escoteiro gordão, o capanga com feições de camundongo. E uma recomendação: não saia do cinema antes de terminarem todos os créditos.
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