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Adaptação
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Drama. Com o sucesso do filme Quero Ser John Malkovich, o tímido roteirista Charlie Kaufman é convidado para adaptar O Ladrão de Orquídeas, livro da jornalista Susan Orlean narrando sua experiência com o perito John Larouche, sujeito rústico que se considera o maior entendido em orquídeas no mundo. Atravessando uma forte crise existencial (aos 40 anos, considera-se gordo, careca e repulsivo), Charlie vai se vendo incapaz de transformar em roteiro a sensibilidade encontrada no livro de Orlean, por quem acaba platonicamente se apaixonando. Ao mesmo tempo, Donald, seu irmão gêmeo, resolve seguir-lhe os passos e está escrevendo também um roteiro, uma história de suspense nos moldes hollywoodianos (tudo o que Charlie mais despreza). Com o tempo passando, as cobranças aumentando e o roteiro não saindo, o autor parte para uma busca dentro de si mesmo, e do que entende como sua "patética existência": enquanto acompanha no livro de Orlean a relação de insatisfação e encantamento com a vida, e o horizonte aberto pelo feio e fascinante Larouche, Charlie acaba se colocando na história, narrando em paralelo a sua dificuldade em estar no mundo e lidar com seus habitantes. Com a ajuda do irmão Donald, porém, terminará descobrindo que Orlean não é a pessoa iluminada que imagina, e a inofensiva pesquisa empreendida pelos dois gêmeos irá revelar um segredo que porá a vida de ambos em perigo. A mistura de ficção e realidade já se anunciava como obsessão do roteirista Charlie Kaufman e do diretor Spike Jonze no filme anterior da dupla, o ótimo Quero Ser John Malkovich, cujos bastidores aparecem neste Adaptação ("Adaptation"). O outro tema que parece fascinar Kaufman e Jonze é a questão da criação, ou melhor, da autoria. Não é à toa que o alucinado início do presente filme inclui até um rápido clipe com a criação do mundo, mostrando em segundos a cidade de Hollywood há 40 bilhões de anos atrás até chegar ao nascimento do protagonista. O princípio, a criação, a vida. É como se não houvesse um "mistério", e para criar bastasse, obviamente, viver. Viver e reconhecer as diversas formas com que a vida se manifesta. Mas como não sabe "viver", Charlie empaca no momento de criar. A inspiração começa a surgir no livro que tem nas mãos, e na descoberta (que ele partilhará com a autora) do fascínio com as coisas que à primeira vista pouco valem, como flores ou homens em cuja boca faltam os dentes da frente. O filme estabelece uma corrente de observação do outro. Acompanhamos Kaufman observar Orlean que observa Larouche que observa as orquídeas. Que, como no poema, não observam ninguém, e vivem apenas para serem polinizadas por uma espécie de inseto que a natureza criou especificamente para elas. Observações como esta, ilustradas pela câmera extravagante de Spike Jonze, são os pequenos grandes ornamentos que enriquecem a narrativa e fazem de Adaptação um filme singular. Cenas como a de Charlie, solitário e perdido numa exposição de orquídeas, admirando as diferentes mulheres que lhe surgem no caminho e de quem jamais se aproximaria, pelo simples medo de as decepcionar, são de tão desconcertante sensibilidade que não se entende o que deu na cabeça dos realizadores no terço final do filme. Depois de toda a crítica aos vícios narrativos do cinema americano, com as hilariantes discussões entre Charlie e Donald sobre construção e estrutura de roteiros, Adaptação dá uma radical guinada na visão anti-conservadora que vinha defendendo e adere, espontaneamente, a todos os padrões que parecia evitar. Houve quem enxergasse nisso um genial exercício de cinismo. O protagonista só consegue sobreviver e ser feliz porque enfim passa a seguir as regras do mundo que o cerca, ou seja, enfim se "adapta", mesmo que para isso tenha de sacrificar a sua criação. Para esse missivista, no entanto, não há nada de genial em entusiasmar o espectador com uma obra inteligente e sensível para, logo depois, frustrá-lo com cenas previsíveis e moralizantes. Recursos como este revelam não apenas falta de criatividade do autor, mas também de respeito para com o público. A destacar, os ótimos desempenhos dos sempre carismáticos Nicolas Cage e Meryl Streep.
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