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Cidade dos Sonhos
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Esquisitice. Ameaçada de morte dentro de um carro, uma mulher consegue escapar de seus agressores, indo parar, desmemoriada, num condomínio em Hollywood. É recebida por Betty Elms, sobrinha de uma atriz famosa e que promete a ajudá-la a descobrir o que aconteceu. Ao mesmo tempo, o diretor de cinema Adam Kesher é pressionado por estranhos executivos a pôr uma certa Camila Rhodes como protagonista de seu novo filme. Enquanto Betty, que veio tentar a sorte como atriz, investiga a origem da fortuna em dólares e da chave azul encontradas na bolsa de sua nova amiga (que lembra-se apenas de ter vindo de Mulholland Drive, e do nome Diane Selwyn), Kesher descobre que, além de ter bloqueada a sua conta no banco, sua mulher o está traindo e sua vida está em perigo. De maneira estranha e desconexa, os destinos (e as identidades) desses personagens irão se cruzar.
Repetindo a opção narrativa de A Estrada Perdida (e que já havia sido razão tanto de seu sucesso quanto de seu fracasso, na série televisiva Twin Peaks), o diretor/autor David Lynch volta a um universo sem sentido ou coerência, onde o clima criado importa mais do que a trama, os personagens invertem seus papéis na metade do filme e esquisitos coadjuvantes (aqui, um cowboy franzino) servem para plantar (mais) interrogações na cabeça do espectador. A garotada espertinha, que sai do cinema sem entender patavina, mas não assume por achar que a culpa é sua, adora. Já aqueles que preocupam-se apenas com uma história bem contada, não importando se a forma é ou não linear, certamente preferem o Lynch dos tempos de Veludo Azul. O atual parece mais um autor ainda talentoso, mas apressado, que junta boas e esparsas idéias seguindo o único critério de provocar seu público e causar estranheza, embora o resultado chegue mais perto da sonolência, dada a quantidade de momentos arrastados e a duração excessiva do filme. É inegável o talento de Lynch em criar ótimas cenas. A sensual seqüência do ensaio entre Betty e o ator canastrão, a bela cena de amor entre as duas mulheres, e mesmo o suspense inicial com a conversa dos dois sujeitos na lanchonete, são exemplos de que Lynch domina a narrativa com segurança, e sabe tirar desempenhos memoráveis de seus atores. Basta prestar atenção em Naomi Watts para confirmar que seu talento é diretamente proporcional à sua beleza, esta vasculhada na intimidade com verdadeiros olhos de tarado pelas lentes do diretor.
Se serve como desculpa para o desperdício de personagens e situações do roteiro, Cidade das Sonhos ("Mulholland Drive") era para ser uma nova série de TV, sabiamente não aprovada pelos produtores. Melhor mesmo vê-lo como um longa-metragem, e entendê-lo como uma fantasia onírica provocada pelos ciúmes de uma amante rejeitada. Uma mistura de sonhos e esquizofrenia criados pela rejeição para vilanizar o outro, tornando positiva, agradável, talentosa e bem sucedida aquela que, na verdade, era quase o oposto, e que receberia o desprezo não só como traição, mas como uma tentativa concreta de assassinato. Para os mais afoitos por respostas, essa pode ser uma leitura de Cidade das Sonhos, que justificaria o bordão final "Silencio. No hay banda". Como nos sonhos, nada do que se está ouvindo/vendo é executado naquele instante. Tudo não passaria de uma reprodução, subjetiva e meio desordenada, pelo nosso inconsciente, do material recolhido da memória. Tudo estaria gravado. Pudesse a protagonista controlar seus sonhos (objetivo também do personagem de outro filme, o ótimo Waking Life), e certamente a história seria outra. Mas isso é só uma leitura. O filme permite várias, ou todas, já que não quer dizer nada, mesmo.
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