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Amém


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Drama histórico. Alemanha, 1936. Enquanto investigava a morte de sua sobrinha, assassinada numa câmara de gás por ser doente mental, o agente especial nazista Kurt Gerstein, químico especializado na área de higienização, é enviado para os campos de concentração de Auschwitz, na Polônia, a fim de acompanhar o tratamento dado aos judeus dados como deportados do país. Aterrorizado com a visão do massacre em massa nas câmaras de gás, que até então desconhecia, Gerstein retorna a Berlin com a certeza de que deve denunciar a ação do governo de Hitler, para que o povo se rebele contra o ditador. Não lhe dão ouvidos, no entanto, os pastores da Igreja protestante da qual faz parte, da mesma forma que vira-lhe as costas a Igreja católica, cuja ação do Papa seria essencial para um recuo da política nazista. Sofrendo intensa pressão pelo cargo que ocupa (e pelas aparências que tem de manter), e recusando-se a deixar a Alemanha, Gerstein receberá a ajuda do jovem padre jesuíta Riccardo Fontana, cuja proximidade de sua família ao Papa Pio XII poderiam fazer chegar ao mundo as informações quanto à matança em escala industrial de seres humanos realizada na Alemanha. Assim, enquanto aguarda a ação de Fontana junto à Igreja, e do embaixador da Suíça junto ao governo americano, Gerstein põe em risco a própria vida fazendo tudo para retardar o processo de fabricação e transporte do gás Zylon, utilizado nas câmaras, e sendo cada vez mais pressionado por seus superiores para aumentar aquilo que chamam de "produtividade".

Quando escolheu tema tão provocante para seu filme, o diretor grego Constantin Costa-Gavras poderia esperar tudo, menos indiferença. Amém, sua visão quanto ao silêncio da Igreja católica frente ao holocausto durante a Segunda Guerra Mundial, foi alvo de críticas tanto da instituição chefiada pelo Papa quanto da imprensa. Falou-se que o filme tratava de assunto batido, sem trazer nenhum elemento novo ao debate. Reclamou-se do estilo "conservador", da narrativa tradicional e da falta de contundência, comparando este a outros filmes do diretor, principalmente Z e Sessão Especial de Justiça. Por outro lado, defendeu-se que Amém estaria na verdade usando o passado para falar do presente, e que seu verdadeiro questionamento seria quanto à omissão da comunidade mundial diante da miséria que a globalização financia.

Exageros à parte, se há pecados a apontar o principal deles é o da promessa não cumprida. No pôster de Amém (criado por Oliviero Toscani, o publicitário polemizador famoso pela campanha da Bennetton), uma cruz funde-se à suástica, sugerindo um acordo diabólico entre católicos e nazistas com vistas ao extermínio dos judeus. À imagem forte e provocadora, no entanto, contrapõe-se um filme contido, um comentário quase tímido onde se esperava uma polêmica manifestação. Ao que parece, Costa-Gavras preferiu fazer cinema do que redigir um panfleto. Contou uma boa história, com princípio, meio e fim, apresentou um personagem interessante (Kurt Gerstein, que realmente existiu, ao contrário do fictício Padre Fontana), e o pôs vivendo uma trama envolvente e repleta de possibilidades dramáticas. Historicamente, se acertou ao mostrar a preferência de Pio XII por Hitler como um mal menor, diante do verdadeiro diabo que seria o comunismo representado por Stálin, escorrega ao tirar tanto do Papa quanto do Cardeal qualquer ambigüidade. Para o cineasta, Pio XII era um banana hesitante, que sofria mais com a destruição de uma biblioteca eclesiástica do que com os fiéis que estavam dentro dela no momento do bombardeio aliado. A fim de enfatizar a luta solitária do cidadão contra o sistema, o roteiro utiliza o recurso de dar a todos os demais personagens uma visão negativa, vilanesca e bidimensional, inclusive minimizando a importância histórica da ação da Igreja que, apesar de apresentar posições anti-semitas, deu abrigo a um número considerável de famílias judias, salvando-as da morte. Também é correto o temor, mostrado no filme, do Vaticano no caso de um pronunciamento direto contra a Alemanha. A resposta, uma imediata invasão de Roma, representaria não só o fim de uma ajuda, ainda que tímida, aos perseguidos judeus, como colocaria os próprios católicos na lista de perseguidos.

Em entrevistas, Costa-Gavras lembrou que na época não havia sindicatos, nem uma imprensa organizada; tinha a Igreja, assim, a obrigação de informar o mundo e posicionar-se frente ao genocídio em massa (mais de quatro mil seres humanos eram enviados por dia às câmaras de gás) que vinha sendo perpetrado dentro da Alemanha. Há quem diga tratar-se de um conflito mais ético do que político. No entanto, Eugenio Pacelli, o Pio XII, estava longe de ser o ingênuo que o filme apresenta. Em artigo no Jornal do Brasil, Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de História da UFRJ, lembra que, antes do papado, a atuação religiosa como núncio em Berlim permitiu a Pacelli travar relações com a alta hierarquia militar alemã. Não lhe eram desconhecidas as posições nazistas, tampouco a ação criminosa. Era inclusive dado como certo que, após eliminar os judeus, Hitler não tardaria em partir para cima dos cristãos.

É cinematograficamente que Amém distancia-se ainda mais de sua propaganda. A tal narrativa "tradicional", tão criticada, acaba revelando-se um acerto, em face do que poderia ser se o diretor resolvesse inovar ou abraçar estéticas pós-modernas. O drama de Gerstein é construído, contextualizado e didaticamente apresentado, e em torno de sua dolorosa frustração com o Estado a que serve Costa-Gavras cria um universo de suspense e angústia digno dos melhores narradores. Acompanhada de poderosa e melancólica trilha sonora (a cargo de Armand Amar), a imagem dos trens partindo cheios de judeus e retornando vazios vai se repetindo com tamanha freqüência que se torna enervante (e houve quem criticasse a excessiva utilização do recurso). A violência e o terror, embora presentes em cada cena, jamais chegam diretamente ao espectador. É através de Gerstein, de seus olhares e da movimentação de seus músculos faciais (que sempre o traem, segundo um oficial nazista) que o público entende que se está diante da morte e da crueldade. Interpretado de forma magnífica por Ulrich Tukur, o personagem é o herói típico dos filmes de temática social, que se recusa a fechar os olhos e luta praticamente sozinho contra a injustiça cometida por seus pares. Pena ser o filme dublado (Amém é falado em inglês, e a versão aqui exibida parece ser a francesa). O público só teria a ganhar assistindo Tukur e o resto do elenco falando com suas próprias vozes.

O filme mostra também a maneira como o governo alemão manipulava a opinião do povo, principalmente das crianças, que adoravam a saudação nazista. Seja nas canções infantis ou nos livros didáticos, o que se vê é a tentativa de convencimento através da sugestão quase subliminar de uma ideologia. Detalhes como esse só enriquecem Amém, que, independente do estardalhaço causado (ou da decepção, dependendo do ponto de vista), certamente será desses filmes que se tornam ferramenta de estudo em sala de aula. Assisti-lo é, mais do que outra coisa, um prazer. Prazer de se ter diante de si uma história que, além de qualquer pretensão, emociona, prende a atenção, entretém e faz refletir. Não são muitos os filmes que conseguem isso.


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