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Abril Despedaçado


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Drama. A trégua entre as famílias Breves e Ferreira, que há gerações mantêm uma sangrenta disputa pela posse de terras, está para terminar. O sangue estampado na camisa de Inácio, o filho mais velho recentemente assassinado, tornou-se amarelo, e agora cabe ao jovem Tonho vingar, sozinho, a morte do irmão. Vivendo no que restou da propriedade dos Breves, Tonho e o filho caçula, conhecido apenas como Menino, passam os dias a ajudar os pais na bolandeira, esmagando cana para fazer a rapadura que irão vender na cidade. A falta de perspectivas é alterada com a passagem de dois artistas circenses, Salustiano e Clara, que presenteiam o menino com um livro. A fantasia e o desejo de conhecer novos mundos (o mar, principalmente) entram de vez na cabeça da criança, que mesmo sem saber ler imagina as histórias sugeridas nas ilustrações, e vazam para Tonho, que apaixonou-se por Clara e, agora jurado de morte pelos Ferreira, já começa a não ver mais sentido no que o rigoroso pai chama de "honra da família", pensando em fugir com o circo.

Naquilo que se convencionou chamar "crítica especializada", não faltou quem comparasse este filme a Central do Brasil, o grande sucesso do diretor Walter Salles, e afirmasse que este era pior. Essa mesma má vontade com o sucesso alheio (que já disseram ser característica do brasileiro) também acometeu, de início, este que vos escreve. Abril Despedaçado teria um início bonito demais, com imagens de uma qualidade tal que destoaria da miséria retratada na tela. A câmera que acompanha o girar da bolandeira (que remete ao recente Kenoma, com o mesmo José Dumont), os fachos de luz entrando dentro da casa, a música grandiosa, estariam quase que agredindo a realidade da história. Felizmente, ao contrário do crítico profissional, este missivista percebeu a besteira que ia cometendo e se deixou levar pelo que o filme tem de bom. E não se arrependeu.

Abril Despedaçado é intimista e trágico, e sua riqueza está na forma com que mostra o desejo de seus personagens por alterar uma condição que lhes é opressora. Sem discursos ou panfletarismo, Salles utiliza sentimentos comuns ao mais humilde dos mortais, o amor e a amizade, para empurrar seus personagens à mudança, que irá passar fatalmente pela perda e pelo sacrifício. O que distingue sua obra de outras de objetivos semelhantes, no entanto, é a riqueza com que mostra tal realidade, e a maneira com que a faz influir nas decisões dos protagonistas. A fortíssima cena do boi que não agüenta mais e cai de cansado, para depois ficar girando sozinho em torno da bolandeira, repetindo o mesmo movimento que passa os dias fazendo, é de uma delicadeza e intensidade tal que fica difícil conter as lágrimas. Do mesmo modo giram os personagens, em torno de uma estrutura que parece definitiva e à qual estão atrelados. Até que a arte, ou a paixão, surja para dizer-lhes que não precisa ser assim.

O preciosismo de Walter Salles com as imagens não é novidade. Aqui, além do já citado girar da bolandeira, ele obtém êxito em seqüências como a da corrida sertão adentro entre Tonho e o Ferreira, na hora da vingança, e mesmo na badalada cena do balanço, de simbologia óbvia mas funcional. O mesmo apuro, felizmente, é mantido em relação ao roteiro, repleto de excelentes diálogos (principalmente quando se voltam para o humor) e boa carga dramática, e ao elenco, este um caso à parte. O pequeno Ravi Ramos Lacerda brilha como o "Menino" (que depois se torna "Pacú"), repetindo a surpresa que foi o garoto de Central do Brasil (aqui aparecendo em ponta, na seqüência do velório). Além dele, também destacam-se a expressividade dos ótimos José Dumont e Luiz Carlos Vasconcelos, e a minúscula participação de Othon Bastos, ator excelente que, como tantos de sua geração vem sendo cada vez mais subaproveitados.


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