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Cronicamente Inviável


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O filme de Sérgio Bianchi (Cronicamente Inviável, Brasil, 2000) talvez preferisse não trazer inscrita sua origem brasileira depois dele. Pretendendo ser o negativo da cultura oficial, dos festejos fracassados em Porto Seguro, essa narrativa centrada num restaurante chique (nos Jardins?) pretende ser um ?retrato? do país. No entanto, como na canção pop da Legião Urbana, julga que ?queimaram o filme?, inapelavelmente. Na caatinga cultural de uma cultura submetida à tevê, o filme nacional ? esse produto discriminado e marginalizado ? deve disparar contra tudo que se move, isso é a lição de ?moral? que sobrou no final da epopéia de desastres. Ou seja, estamos diante do filme brasileiro suicida, autofágico, que se recusa a dar sentido, e se dedica com prazer sádico-anal a aniquilar o sentido. A experiência central que poderia articular e dar sentido àquele coquetel de fatos variados e dar-lhe uma espinha dorsal seria a constatação da óbvia dependência, do processo colonial que formou o país e que ainda molda sua face ?ainda que essa seja a da tragédia e da barbárie tornadas cotidianas.
Embora ambicione enfileirar um catálogo de mazelas brasileiras (violência policial, racismo, vitimização, tráfico de crianças, prostituição masculina) o filme destruidor se ressente de sua própria sanha assassina: se esse país não presta, do sul colonizado pelos poloneses até a Amazônia, e se o próprio intelectual que realiza esse périplo é um sociólogo corrompido pela mulher mestiça que, apesar da infância sofrida numa carvoeira, faz dos corpos das crianças brasileiras uma matéria-prima de exportação colonial, podemos até suspeitar desse narrador aparentemente isento, dessa voz tonitruante, beirando a histeria, que faz denúncias. Esse prazer destrutivo se dirige preferencialmente contra o Rio e a Bahia, embora finja não poupar ninguém; é carioca o intelectual que fala na identidade nacional como sendo a mestiçagem, é da cidade maravilhosa a negra que dança na escola de samba, é bem carioca a bossa nova em inglês que toca entre os grã-finos. Todos esses tipos são atacados, pretendem simplesmente esconder a dominação, são escravos dançando para os senhores e exibindo uma alegria estúpida e sem sentido ? um jargão marxistizante é usado cinicamente: valor de troca, valor de uso, opressor e oprimido, revolução, guerrilha. Mesmo assim, não há boa vontade com os sem-terra, que são mostrados como massa de manobra, numa cena lamentável, mesquinha e reacionária. Como uma maldição, nada cresce nessa waste land que não respeita as minorias ?como os Estados Unidos?, país que é poupado desse espírito homicida, junto com as telenovelas da Globo. O ponto de vista de Bianchi (espécie de juiz-penitente) não é o dos mais fracos: fotógrafo do horror, turista do fracasso, é um forte que compactua com o que é condenável, mas deseja manipular essas ?coisas? em proveito próprio. Com o binóculo da classe média paulista, marcada pelo integralismo, malufismo, peesedebismo e quejandos, Bianchi só consegue ser um carcamano, um pirata do navio-fantasma-Brasil.


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