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Esclarecimento E CONFISSÕES À MÃE-ARTISTA
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Oh! Mãe-Artista! Agradeço-te pela resposta. Cá estou apaixonado por uma bailarina do Degas. O que fazer? Se esta dor-doída alimenta a minha arte de escrever? Devo transformá-la em personagem? Em caricatura? Como dantes eu fiz para não enlouquecer? Já me apaixonei por uma mulher-morta, de outra era, tudo que eu desejava viver, ela havia vivido com outros! Aqui, permita-me falar-te sobre tal fêmea! Não! Não faço isto por costume, jamais digo sutilezas de uma senhora para outra mulher! Ela morreu aos cinco dias de fevereiro de 1935, de origem russa, nasceu aos doze dias de fevereiro de 1861, o nome de minha amada: Lou Andreas-Salomé! Foi amante de Paul Rée, Nietzsche e Rilke. O quanto sofri e ainda sofro por ela! Intelectual brilhante, ela escandalizou a sociedade e escreveu isto:
"Ouse, ouse... ouse tudo!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda ... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!" Mãe-Artista, confesso-te que minha primeira esposa, autêntico arquétipo Deméter, a quem devo o que sou, é fisicamente parecida com ela!
Quanta insanidade! Meu lado artístico embebeda-me! Perdoa-me por este infortúnio. Veja com carinho a foto de minha amada-morta. Agora, cá estou com tal bailarina a me infernizar.
E eu, Mãe-Artista, que com meu saber psicanalítico, aprendi a enxergar por frestas, vejo o que não queria ver, pois o visto apunhala-me sem dó! Ainda nem sabes, mãe-artista, o que tenho vivido em nome do prazer-fugaz, marco dessa geração veloz, uma lolita ?skatista? que vive com os joelhos esfolados, que entorta graciosamente os pés para me ver sorrir, que se lambuza a boca de chocolates almendrados e me beija loucamente emporcalhando a altivez de meus colarinhos tão corretamente engomados, diverte-se e brinca e ri e ri mais ainda! Tão menina, que me perguntaram, lá na loja de bugigangas, se era minha filha, ri e respondi: - de dia a trato como filha, com mimos de pelúcia, chocolates, caramelos e rodinhas de skate, mas de noite, meu senhor, sim! Eu a trato como mulher-desejante, jovem fêmea a ser saciada, e, assim, vamos debochando dos covardes que se negam o prazer em nome dos recalques milenares.
Mãe-Artista, nem sei o que estou a dizer-te, perdi-me em signos linguísticos. Digo-te, com certeza, que em breve partirei para o velho mundo a buscar novos saberes na velha universidade lusitana. A amada bailarina, idealização sublime de Degas, ficará aqui em sua redoma blindada de medo-eterno, coberta de olhos desejantes que nunca a satisfarão. Eu, no velho mundo de Coimbra, mergulharei no pó milenar de todos os livros que devem ser lidos antes de morrer, encharcarei meu fígado de autêntico Absinto. Minha lolita-skatista, que deseja conhecer-te, Mãe-Artista, para que nas cartas, tu digas a ela algo que o tenaz destino revelará (...), ficará aqui, a anotar no seu diário-azul-de-menina-púbere memórias das trapaças eróticas que fizemos e de todos os chocolates refinados que devoramos: nossos corpos foram tabernáculos de distintas orgias.
Ora, o que estou a dizer-te, Mãe-Artista?! Perdi-me no inebriante vapor do éter! Perdoa-me por isto! Agradeço-te, Mãe-Artista, por tentar colocar autêntico bálsamo em minhas feridas cardióides. Ei de te confessar, Mãe-Artista, que aquela pintura que tu fizeste, o ?cello?, está a tocar na penumbra das horas silenciosas, ele toca lânguido, dolente e consola-me com adágios barrocos. Que mais posso dizer-te? É imperioso perdi-te desculpas por interromper teu nobre ofício com minhas lamúrias. Perdoa-me! Despeço-me de ti com as palavras da mulher-morta que amei e ainda amo:
?No mais profundo de si mesmo, o nosso ser rebela-se em absoluto contra todos os limites. Os limites físicos são-nos tão insuportáveis quanto os limites do que nos é psiquicamente possível: não fazem verdadeiramente parte de nós. Circunscrevem-nos mais estreitamente do que desejaríamos.?
(Lou Andréas-Salomé)
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