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Arnaldo Jabor


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Extrato do texto de Arnaldo Jabor, publicado no Jornal O GLOBO - 11 de novembro de 2003
"Há qualquer coisa de podre na arte contemporânea. (...) há uma terrível ausência, (...), um grande vazio em museus e bienais. Há uma ausência que danifica a obra de arte: a esperança. Isso mesmo: esperança. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século XVI, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, (...), uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura, que criavam a "perspectiva", uma idéia de tempo, (...). A genialidade de artistas como Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a captação de um momento de agonia ou de triunfo, de ''esperança''."

"Fui ver a Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de um vasto depósito de lixo ou de ruínas ou de despejos da civilização. Os pavilhões de todos os países repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, (...), uma clara vergonha de ser "arte", vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, por ser ''burguesa'', como se o prazer fosse uma coisa reacionária, "alienada", ignorando o "mal do mundo", que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. (...) na linha direta da herança mal-entendida e descontextualizada de Duchamp, o estraga-prazeres dos anos 20."

"Só que o mundo mudou muito. Depois do 11 de setembro, principalmente, ficou nítido que o mundo é hoje muito pior que qualquer representação deprimida. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco-sem-saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, (...), está muito além de qualquer "denúncia" artística; o mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente destruindo a própria arte (...) está virando uma ociosa cumplicidade."

"A Bienal de Veneza (furada, aqui e ali, por alguns talentos individuais, claro) virou um parque temático de deprimidos, (...), um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais "chocar" ninguém, pois nada é mais chocante que as chuvas de bombas, a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinham um claro alvo construtivo em sua militância. (...). Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como "denúncia" de uma vida sem solução. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discoteca onde morrem 300 jovens, nada é pior ou mais crítico do mundo que homens-bomba ou a África ou a lama das favelas e periferias. Nada. (...) a arte contemporânea está muito aquém da realidade. (...) Sobrou uma denúncia tola (que aliás absolve gentalha sem talento), (...)."

"Nunca esqueço da frase de Stravinsky ''A obra de arte deve ser exaltante''. (...). Muitos artistas se acham ''militantes'', mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o "novo" não pode ser um " belo" que denuncie, (...) a injusta vida?"

"Digo isso, porque, se o negócio for eventos de destruição e crítica do capitalismo, ninguém é melhor artista que os homens-bomba e o Osama Bin Laden."


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