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Raízes do Brasil
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? Raízes do Brasil? Este livro já clássico ainda nos surpreende e enche de prazer a cada nova leitura, o sabor literário e o vigor da análise resistem ao tempo e desafiam as convenções. Se o protestante foi eternizado com ?A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo? de Weber, nosso tipo ibérico, o americano e o ?homem cordial? foram agraciados, não com menos talento, com ?Raízes do Brasil?. É nítida a influência da sociologia alemã (principalmente Weber mas também Simmel) e consequentemente do neokantismo historicista (Dilthey, Rickert): a presença de tipos, o uso de conceitos como patrimonialismo e burocracia e a explicação da sociologia do espírito, bem como a visão da singularidade histórica ilustram essas influência. Entretanto, não tomemos o autor por um imitador tropical, tais como os papagaios que tanto encantaram os europeus, Sérgio Buarque de Holanda produz uma obra singular como a realidade que desvenda, devedora sim da cultura européia mas utilizada criticamente, a ponto de não violar o frágil invólucro da novíssima e particular realidade brasileira. Junte a isto seu talento de prosador - dono de uma linguagem sofisticada, econômica e elegante - e imensa erudição e teremos aí a obra: uma dos mais notáveis livros que nossa cultura criou. O livro analisa o homem ibérico, principalmente português, como um tipo ideal; não do modo como os imitadores de Weber caricaturam o real produzindo monstruosidades, mas como um escritor realista do sec XIX identificava seus personagens, nas palavras de Marx e Malinowski, acrescenta carne e sangue ao esqueleto inerte. Mais ainda, o autor acrescenta idéias e atitudes ao autômato idealizado. Esse tipo, longe de ser insosso e insípido, adquire uma notável vitalidade, acredito, devido a forma de concepção: em vez de apenas acentuar e reunir caracteres empíricos, o autor os organiza em pares opostos que recriam uma tensão que exige o real e dá vida ao tipo: por exemplo, o ibérico prima pela disciplina mas cultua a desordem, ocioso mas empreendedor etc. Tal método não está presente apenas na definição do tipo, toda a obra é composta de pares polares (trabalhador - aventureiro, rural - urbano, pessoal - impessoal etc.), alavancando um ?jogo dialético? entre os pólos, aí aflora mais uma influência alemã, a dialética hegeliana. Quase trinta anos depois uma autora retomaria tal abordagem, utilizando o método marxista e tipos históricos, para criar um outro já clássico estudo da sociedade brasileira. O percurso temático da obra inicia pelo homem ibérico e traspassa a sociabilidade com os antigos habitantes nativos, a organização econômica e social, a constituição do novo homem (o ?homem cordial?), as manifestações culturais e sua raízes sociais, as instituições, o jogo da política e as perspectivas; destaque para o iluminado cap. I e final do cap. 7, fecho do livro (p. 188) , belíssimo libelo pessimista que não só expõe as feridas da impotência da razão presentes no neokantismo historicista mas também as faz sangrar pela descrença na capacidade do espírito de transformar satisfatória e conscientemente o mundo. Já a estrutura explicativa da obra, já o dissemos devedora da filosofia clássica alemã por meio da sociologia, usa de tensões dialéticas e tece uma teia de explicações que desafiam o simplismo de uma monocausalidade estática; certas causas dão origem a certos efeitos que por sua vez compõem novas seqüências causais, sem perder de vista as causas inicias mas já considerando as mutações dialéticas do novo contesto explicativo, que por sua vez vai negar-se realizando-se em novo desenrolar. Essa teia de explicações denota o rigor e a criatividade do autor. Essa dialética traspassa o tipo (construído já numa tensão contraditória), o cultural/social (também em tensão) e resolve-se na transformação da sociedade pelo homem, que por sua vez se transforma sob a influência desse movimento. Resta a indefectível questão: nesse modelo dialético, o homem faz a história? A julgar pelo ceticismo de Sérgio Buarque, o homem continua, em última instância, impotente para transformar o mundo ao seu bel-prazer: ?O espírito não é força normativa, salvo onde pode servir à vida social e onde lhe corresponde. As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas.? O neokantismo submete o hegelianismo, a angústia no mundo supera a vontade. Raízes do Brasil é um livro fortíssimo mesmo nas suas fraquezas.
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