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O Populismo e a Teoria Democrática Descritiva (2)
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Não é original afirmar que o conceito de populismo é evasivo e impreciso, e recorrentemente utilizado para fenômenos díspares pelo mundo afora. À guisa de ?limpar o terreno? para a discussão do ?populismo brasileiro?, é interessante uma rápida recapitulação da crítica em geral.<1> O primeiro problema afirmado pela crítica é o uso do mesmo termo para conceituar fenômenos - Estados, regimes, movimentos - muito distintos entre si, como, por exemplo, o maoísmo, o nazismo, o peronismo, o nasserismo e os narodniks russos. A amplitude banaliza o termo que tende a perder seu valor explicativo. Associar populismo a ?ida para o povo? é absolutamente vazio, pois quer comparar movimentos de matrizes variadas, da concepção totalitária a democrática e socialista. Mesmo reduzindo tão amplo espectro às experiências russa, norte-americana e latino-americana, não encontraremos evidências generalizáveis. O ?populismo russo? foi um movimento de intelectuais urbanos, na segunda metade do século passado, os quais tinham como utopia a realização de uma nova sociedade baseada no mir - comunidade agrária - revitalizado. Por isso mesmo, se voltavam para a organização dos camponeses, agentes de um futuro de bases igualitárias social e politicamente. Nas condições russas de fins do século, os narodniks são revolucionários antitzaristas e anticapitalistas. Diferentemente o populismo norte-americano era um movimento de produtores rurais independentes, tentando manter seu status quo ante o processo de concentração capitalista, em fins do século passado. Para se contrapor ao mercado selvagem, clamavam pela ação do Estado nos assuntos econômicos. Organizaram-se como partido nacional para agregar o ?povo? contra os ?trusts?. Dificilmente encontramos correlação de identidade entre essas duas descrições, principalmente se as interpelamos sob o aspecto político, quer como utopia, padrão de organização ou agenda de reivindicações e/ou realizações. O mesmo se segue em relação ao terceiro caso - o latino-americano -, que nos é mais interessante por ser uma matriz para a análise do ?nosso? populismo. Neste último caso estamos lidando com a ?emergência de massas populares urbanas? na política competitiva. Gino Germani<2> é considerado autor relevante para a descrição e conceituação do fenômeno na América Latina<3>. Para ele o populismo emerge em um momento de transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade industrial. Na medida em que essa transformação é assincrônica, coexistem elementos distintos dos dois pólos analisados: a sociedade do passado e a do porvir. As clivagens se manifestam tanto no plano geográfico, como no das instituições, grupos e atitudes, configurando uma sociedade dual - dualismo em voga no pensamento social latino-americano (e brasileiro!) nos anos 50 e 60. Alguns conceitos e características são centrais na análise do sociólogo: a) o ?efeito demonstração? representa o apelo ao consumismo de massa (padrão industrial desenvolvido) em uma sociedade com baixo nível de produção de bens; b) o ?efeito de fusão? denota a da ideologia das sociedades modernas em contextos tradicionais; c) a diferença entre os comportamentos de ?mobilização? e de ?integração?; onde o primeiro ?corresponde ao processo psicossociológico através do qual grupos imersos na passividade correspondente ao padrão normativo tradicional adquirem certa capacidade de comportamento deliberativo? (p. 151), gerando participação na vida nacional sob diversas formas, desde movimentos de protestos desorganizados até explosões revolucionárias abertas. Quanto à ?integração?, é uma forma particular de intervenção dos grupos mobilizados que se pauta por se exercitar dentro dos canais institucionalizados em ?virtude do regime político imperante? e por isso mesmo expressa auto reconhecimento entre os grupos políticos. Dessa diferença conceitual emerge uma contraposição entre o modelo de desenvolvimento europeu e o latino-americano. Na Inglaterra, através de um processo lento e gradual de aquisição dos direitos civis, políticos e sociais, a mobilização teria caminhado lado a lado à integração política do demos. Na América Latina a mobilização assume formas ?aberrantes e antiinstitucionais?, possibilitando a emergência dos ?movimentos nacional-populares?. Daí decorre a manipulação dessas massas recém-mobilizadas por elites (tradicionais e modernas), cujas aspirações não são coincidentes com aquelas. O populismo é, portanto, uma forma não institucionalizada de participação das massas na política, controladas pelas ?elites?.
<1> Baseamo-nos nos textos de Ernesto Laclau ?Para uma teoria do populismo? em Política e ideologia na teoria marxista, RJ: Paz e Terra, 1978, pp. 149 a 204; e Peter Worsley ?O conceito de populismo? em Fanny Tabak (org.) Ideologias - populismo, RJ: Eldorado, 1973, pp. 23 a 67. <2> Politica y sociedad en una epoca de transicion. De la sociedad tradicional; a la sociedad de masas, Buenos Aires: Editorial Paidos, 1965. Ver especialmente capítulo 5. <3> Conforme, entre outros, Laclau, op. cit., e Octavio Ianni. A formação do Estado populista na América Latina, 2a ed., SP: Ática, 1989. Segundo Peter Flynn (Brazil: a political analysis, p. 142), o conceito ?populismo?, na América Latina, teria sido originário dos escritos de sociólogos argentinos. Seria curioso acompanhar os primórdios do uso do termo na Argentina. Ao que consta nasceu como reação à política de massas de Perón. Pelo que sei, ainda merece uma garimpagem para descobrir suas origens, enquanto conceito, em terras tupiniquins (provavelmente deve ter sido concebido primariamente no debate político em oposição a Vargas).
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