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Abuso de Direito


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O conceito de abuso de direito origina-se no Direito Medieval, tendo sido observado na teoria dos atos emulativos (aemulatio), segundo a qual os atos praticados com a intenção deliberada de causar prejuízos a terceiros e sem visar a obtenção de benefícios em proveito próprio, deveriam ser reparados, ou seja, emulação consiste na reparação daquele dano. O Direito Romano também guardou vestígios do exercício dos atos emulativos, onde praticavam-se os mais grosseiros abusos sob o pretexto de se exercitar um direito reconhecido por lei, desvirtuando-se, dessa forma, a finalidade social dos direitos subjetivos com o intuito de causar dano injusto a terceiro. Posteriormente, a partir do Direito Moderno, a doutrina do abuso de direito foi difundida na maioria dos ordenamentos jurídicos das grandes nações, notadamente no Direito Italiano, Russo, Argentino e Português, tendo este último influenciado o Código Civil brasileiro de 2002. No Direito brasileiro, o revogado Código Civil de 1916 não previa diretamente o instituto do abuso do direito, utilizando-se apenas de uma interpretação inversa do dispositivo contido no inciso I do art. 160, que por sua vez abrigava o exercício regular de um direito como excludente do ato ilícito. Embora a doutrina e a jurisprudência já fizessem uso do instituto há algum tempo, o atual Código Civil preencheu essa lacuna legislativa.

Apesar do legislador do Código Civil de 2002 ter inserido a figura do abuso de direito no Título pertinente aos atos ilícitos, os dois institutos jurídicos não se confundem, ambos os conceitos se excluem mutuamente, tendo a natureza da violação a que eles se referem como fator determinante da diferença entre eles. No ato ilícito a violação é observada quando o indivíduo afronta diretamente um comando legal, nos levando a crer que o referido comando contém previsão expressa da conduta praticada pelo indivíduo. Já no abuso, o sujeito aparentemente estaria agindo no exercício de seu direito, entretanto, na configuração de tal hipótese, o sujeito se encontra violando os valores que justificam o reconhecimento desse direito pelo ordenamento jurídico.

Para que o abuso de direito se faça presente, nos termos preceituados pelo Código Civil de 2002, seria necessária a existência de uma conduta que exceda um direito correspondente a determinada pessoa, com a finalidade de que esta atue no exercício irregular de um direito. A regra geral, que deveria ser observada, nos remete à razão de que cada direito tem de ser exercitado em obediência ao seu espírito peculiar, sem desvio de finalidade ou de sua inafastável função social. Entretanto, não existe direito absoluto em nosso ordenamento jurídico, posto que o exercício de qualquer direito deve se conformar com os fins sociais e econômicos inerentes ao mesmo, bem como se balizar com o princípio da boa-fé. Diante disso, para se proceder à caracterização do abuso de direito, deve-se tentar identificar o seu motivo legítimo.

A doutrina relativa ao abuso de direito está em sintonia com a atual tendência da racionalidade jurídica, na qual não mais se afina com a idéia da completude do ordenamento, mas sim com a consagração dos princípios como valores fundamentais do sistema jurídico nacional, que em sua maioria encontram-se constitucionalizados, sendo importante destacar também a incidência dos princípios da socialidade e eticidade no estudo do abuso do direito, ambos consagrados pelo Código Civil de 2002. Não se admite mais que o direito positivado possa prever exaustivamente todas as condutas anti-sociais ou indesejáveis, sendo tal função melhor desempenhada pelos princípios, visto que os mesmos passaram a assumir um maior grau de normatividade, permitindo uma constante adequação do ordenamento jurídico às exigências de nosso tempo e de forma a tornar o sistema mais dinâmico. Nesta realidade, o Magistrado seria chamado a exercer sua função de maneira mais inovadora e criativa, além de se tornar muito pouco dependente do texto legal. Dessa maneira, os princípios do próprio sistema certamente serão acionados sempre que a jurisprudência transcender às prescrições normativas, a fim de se adequarem ao caso concreto apresentado, no âmbito de sua normatividade.

Concluímos, desta forma, que o dispositivo que inseriu a teoria do abuso de direito no Código Civil de 2002, tratou-se de uma norma destinada a promover a relativização dos direitos e prerrogativas individuais, de forma a coibir o exercício abusivo dos mesmos pelos seus sujeitos, e preservando com isso os interesses coletivos e o bem estar social. Portanto, todo e qualquer ato jurídico que desrespeite tais valores, ainda que não seja considerado ilícito por falta de previsão legal, pode ser qualificado como abusivo, ensejando a correspondente responsabilização. Sendo assim, uma vez que não há direito absoluto em nosso ordenamento jurídico, todo exercício de direitos e prerrogativas devem respeitar os fins sociais e econômicos, os bons costumes e, principalmente, a boa-fé.



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